Declínio da Esquerda na América Latina
A história da civilização é farta em exemplos de governos
corruptos e inaptos. Populismo, aversão a instituições independentes,
sentimento de vitimização, nacionalismo romantizado e apego a ideologias
utópicas são algumas das receitas cujo produto final é invariavelmente o mesmo:
recessão econômica, autoritarismo político e miséria crescente. Mas existe um modo de governar que é capaz de reunir, com
louvor, todas essas características. Trata-se do modo de governo orientado pela esquerda na américa latina. Analiso
inicialmente dois exemplos paradigmáticos: Venezuela e Argentina. Finalizo com
o Brasil.
Pois bem. Não há diferenças ideológicas relevantes entre o chavismo venezuelano e o kirchnerismo argentino. Hugo Chavez e Nestor Kirchner chegaram ao poder por
meio de promessas extremamente populistas, direcionadas principalmente à população
mais pobre. Promessas que sequer chegaram perto de serem cumpridas. Uma vez na
presidência, ambos colocaram em prática não um plano de governo, mas um projeto
de perpetuação no poder.
Em seus governos, trataram de desmantelar instituições
independentes com interferências crescentemente desairosas nos demais poderes, sobretudo
no judiciário. Nomeações de magistrados despidos de apuro técnico, de
serenidade e maturidade cultural, elementos imprescindíveis ao desempenho do
relevante mister de julgar, tornaram-se a regra. E sabe-se que, assim como não há Estado de Direito sem Poder Judiciário
independente, padece a democracia em que juízes julgam com receio de chicanas de
membros do alto escalão do Poder Executivo.
Chavez e Nestor, assim como seus sucessores, Maduro e Cristina, travaram
verdadeiras batalhas com a imprensa livre. Na argentina, ao argumento de que se
tratava de atividade de interesse
nacional, Cristina estatizou a produção de papel para jornais. De fato,
quando o estado confunde-se com o partido, tudo é de interesse nacional (é a
vontade de Deus...). Periódicos de credibilidade reconhecida a nível
internacional como o Clarin e o La Nacion sofreram um severo golpe,
necessitando de doações de papel – inclusive de jornais brasileiros - para se
manter ativos. Na Venezuela, Chavez tratou de promulgar a chamada “Lei de
Responsabilidade Social do Rádio e da Televisão”, que submetia qualquer
veiculação nesses meios de comunicação ao crivo do governo, o que na prática
era uma estatização de toda a atividade de imprensa no país. Não bastasse, posteriormente
incluiu-se no Código Penal venezuelano o crime de exercício de opinião em desfavor de membros do governo.
Tanto controle sobre as instituições e a informação até podiam
maquiar balanços orçamentários e dados econômicos. Mas a realidade sempre se
impõe. Diante do clima de insegurança
jurídica, institucional e econômica, o dinheiro evaporou desses países, empresas agonizaram
até fechar portas, preços dispararam (para 2016, o FMI prevê que a inflação
na Venezuela alcance monstruosos 720%), dezenas de milhares de pessoas perderam
seus empregos e mercados foram desabastecidos dos produtos mais básicos como
farinha e água. Enquanto a economia da Argentina e da Venezuela despencava para a recessão, a incompetência administrativa e governamental respingava justamente onde sua
eficiência se faz mais necessária: na população mais pobre.
Governos de esquerda não se curvam. A arrogância parece ser condição
para integrar os quadros do partido. Culpar os outros, normalmente governos e
instituições bem-sucedidas, é lugar comum. Culpa-se terceiros pela tragédia e veste-se
o sempre cômodo manto da vitimização. Estamos
assim porque somos explorados, é
frase que uma geração inteira cresceu ouvindo. Esse discurso populista sempre funcionou. Por décadas foi ouvido
e lido como verdade quase espiritual por uma população mergulhada na retórica romântica
e sentimental de promessas intangíveis e utopias delirantes. Uma população acostumada
com um estado onipotente e todo poderoso, de quem espera felicidade e um
sentido para suas vidas. Precisamente a utopia que serviu de esteio à
perpetuação do chavismo e do kirchnerismo no poder. Nesse particular, longe de seguir as ideias de Karl
Marx, colocou-se em prática o pesadelo de George Orwell.
Mas ventos novos sopram. A realidade, como já disse, respira por
elevação. Na Argentina, 12 anos de kirchnerismo foram derrotados nas urnas
para um candidato que propôs um modelo e reaproximação com o mercado, um
modelo de desenvolvimento econômico e prestígio de liberdades. Poucos dias após
a derrota, vieram à tona denúncias de envolvimento da ex-presidente com fraudes
em licitações de empresas estatais, beneficiando empresários financiadores de
sua campanha (algo familiar?).
Na Venezuela, após mais de 15 anos de chavismo, e contrariando as expectativas fomentadas pelos
institutos de estatística (todos estatais), Maduro sofreu uma histórica derrota
nas eleições parlamentares, subtraindo-lhe qualquer possibilidade de alterações
constitucionais que ensejassem sua continuidade no poder. Comunicado do resultado, o presidente discursou que tratava-se
de um golpe das elites conservadoras,
e que a revolução iria prosseguir (salta aos olhos a ideia de que os fins justificam todos os meios). Antes da posse dos
parlamentares da oposição, criou o que chamou de “Parlamento
Comunal”, formado por parlamentares governistas derrotados. Disse que daria
“todos os poderes ao Parlamento Comunal, que seria uma instância legislativa do
povo.” Contrastando a Constituição, ainda afirmou que “a Assembleia Paralela
poderia se reunir na sede do parlamento venezuelano, e que teria poder para
aprovar leis para que o povo mantenha seu modo de vida”. Um deputado derrotado reclamou
“agora, teremos um Parlamento a serviço da burguesia. Da direita não
ouviremos nada que seja para favorecer o povo, pelo contrário.".
E no Brasil? No Brasil, o Senado da República suspendeu o
mandato da presidente Dilma. No Brasil, o PT colou-se na esquerda, e na esquerda colou o estereótipo de pureza moral. No Brasil, a esquerda petista PT seguiu toda a
receita nefanda da esquerda latina.
Arnaldo Jabor diz que não se trata de golpe, mas de um contragolpe. De fato. Foram golpe as
mentiras que tramaram nas eleições de 2014, foram golpe as malandragens com as
contas públicas para maquiar despesas e manter preços baixos, foi golpe a
entrega do tesouro aos aliados, com permissão (desde Lula) para roubar, foi
golpe a nomeação de milhares de vagabundos para cargos públicos aparelhados,
foi golpe a destruição da Petrobrás, provocada pela absoluta displicência do
governo com nossa maior empresa, foi golpe a estupidez da “nova matriz
econômica”, que desfez tudo que estava feito para impor uma absurda agenda
bolivariana num país capitalista, foram golpes as obras prometidas e inacabadas
ou abandonadas, foi golpe a Dilma autorizar a compra da refinaria de Pasadena,
a lata velha de US$ 1,5 bilhão, quando ela era presidente do Conselho da
Empresa (só isso já justificaria um impeachment), é golpe denunciar às
organizações estrangeiras um “golpe”, pedindo sanções contra o próprio país que
dirigiu e desmanchou. E o grande golpe se completou com 11 milhões de
desempregados, com a indústria e o comércio quebrados. A lista é longa, muito
além das pedaladas.
Esta, enfim, é a desastrosa receita de governos de esquerda na américa
latina, uma receita de incompetência administrativa e econômica temperada com
populismo, soberba e corrupção. Ao discursar na sessão que admitiu o processo
de cassação do mandado da presidente da Dilma, Cristovam Buarque, senador e
ex-ministro de Lula, criticado por movimentos sociais por ter “mudado de lado”
afirmou com serenidade: “não fui eu que mudei, foi a esquerda que
envelheceu. A esquerda está há 13 anos no poder e demonstra desapego pela
democracia.”
É chegado enfim o momento de evoluir. A população
acostumou-se a ter voz. Acostumou-se que o populismo pode trazer armadilhas, mas que instituições independentes cumprem seu papel, que é necessário (antes)
crescer para (depois) distribuir renda. O amadurecimento dessa consciência é um
processo longo e tortuoso. Não podemos regredir. Margareth Tacher, 35 anos
antes, não poderia estar mais certa ao advertir que grama que a
esquerda pisou não cresce nunca mais.
Excelente texto!
ResponderExcluirAproveito a oportunidade para dizer que a volta dos textos do "Blog do Petri" alegra os olhos e a mente de quem busca informações consistentes acerca do mundo hodierno!
Linha após linha conseguimos perceber a forma pela qual o autor buscou tão a fundo suas idéias e percepções, incluindo importantes cotejos aqui e acolá, fazendo com que a leitura flua suavemente.
Folha e Estadão que se cuidem!
Que o autor siga a brilhante estrada!
Leitora Assídua, P.
Olá,
ResponderExcluirGostaria de saber quando o nobre redator deste blog publicará textos novamente.
Sinto muita falta!
Leitora assídua, P.